Pediatra e psicanalista, Aldo Naouri veio a Portugal lançar o seu best-seller «Educar os Filhos – uma urgência nos dias que correm». Tudo o que diz é politicamente incorrecto, desde o seu elogio da autoridade parental e da frustração, até à certeza que transmite que uma família feliz é aquela em que o casal vem primeiro, e os filhos depois. Nesta entrevista ao Destak, aliás como no livro, falou sem papas na língua, mas com um sorriso permanente e uma gargalhada fácil, que nos deixa a certeza de que o seu empenho nesta missão de reintroduzir as palavras bem e mal educado no nosso vocabulário, é mesmo um esforço para que a sociedade, a começar pelos pais, não «dêem cabo» do espantoso potencial de uma criança.
Isabel.Stilwell editorial@destak.pt
Qual é o mito que corrompe a educação?
Aldo Naouri - Deixar crer aos pais que as crianças se desenvolvem apenas com amor. Que os pais só precisam de amar e esperar para ver...
E, de facto, o amor não chega?
Não, sozinho não chega. As crianças têm pulsões muito fortes e em estado bruto. É fundamental canalizar essa energia. Ensina-los a saber fazer uso dos seus impulsos. Só assim crescem e se tornam indivíduos sociais e sociáveis, capazes de pensar nos outros. Se este processo não acontecer ficam bebés, reféns do seu egocentrismo, incapazes de superar obstáculos, absolutamente egoístas, e que respondem com violência e descontrolo a qualquer frustração. Aquilo, afinal, de que os pais se queixam quando vão a uma consulta de pediatria e dizem que não conseguem ter mão nos filhos, aquilo que vemos nas ruas quando os pequenos ditadores fazem a vida negra aos pais, aquilo que a escola sofre, num clima de indisciplina inacreditável, onde aprender é impossível.
Mas porque é que suportamos tão mal vê-lo sofrer. Dói mesmo ver o nosso filho sozinho, num canto do recreio... Como é que se resiste à vontade de intervir...
Ah, a dor do menino sozinho no recreio! O que percebemos nesse momento é que demos vida a uma criança que está destinada a morrer... É um pensamento que não consciencializamos, claro, mas de cada vez que não o podemos proteger sabemos, cá dentro, que ele está sozinho. Aliás, como nós.
Faz o elogio da frustração. Não posso concordar mais consigo. Em teoria. Porque na prática, custa imenso frustrar um filho, dizer-lhe que não. Dávamos tudo para os ver sempre felizes...
Custa-nos tanto porque revivemos essa dor. Mas não podemos projectar neles a nossa dor. Frustrá-los é absolutamente necessário, indispensável para que venham a ser pessoas realizadas e felizes. E quando estamos convictos disso, depois é tão simples como levá-los às vacinas. A pica dói, pois dói, mas sabemos que lhe vai salvar a vida, por isso nem hesitamos.
A função dos pais é colocar limites?
Educar é colocar limites. É assumir a autoridade que o papel de pais nos dá. Sabemos o que é melhor para o nosso filho, e temos que acreditar nisso, sem ir na conversa do politicamente correcto. Uma criança sem limites, é uma criança que se sente desprotegida, angustiada, horrivelmente angustiada. A hierarquia lá em casa tem que ser vertical, connosco no vértice de cima. Aquela ideia dos pais amigos, de uma relação horizontal, é um verdadeiro mau-trato.
Porque é que temos tanto medo de perder o amor dos nossos filhos?
Sabe porquê? Porque temos ressentimentos em relação aos nossos pais, temos vergonha desses ressentimentos que nos dão a sensação de que não os amamos tanto quanto devíamos, e dávamos tudo, como diz, para que os nossos filhos não os tivessem em relação a nós. Impossível. O papel dos pais não é seduzir os filhos, dar-lhes uma imagens de uns companheiros fantásticos, bonzinhos e bonitos, mas educá-los. E já agora, haverá sempre ressentimentos, mas não há risco de fazerem perder o amor.
Tendemos a querer dar tudo aos nossos filhos, até mesmo uma vida sexual... «Podes dormir com o teu namorado lá para casa (nos carros é perigoso, há assaltos), e já agora aqui está um contraceptivo...» Não é um pouco como aqueles países que invadem outros, a pretexto de que lhes vão levar a «liberdade»...
(bate com a na testa). Primeiro, desenganem-se, sem interdito não há sexo. E numa família, nem os filhos querem saber da vida sexual dos pais (os seus, só fizeram «aquilo», uma única vez para os conceber), e os pais não se devem meter na vida sexual dos filhos. É preciso que eles conquistem aquilo que querem, com esforço, que é uma das outras palavras que deveria voltar ao nosso vocabulário.
Diz que se fizermos as coisas bem feitas, aos três anos já estão educados...
E estão mesmo. Quanto mais cedo conhecerem e interiorizarem as regras básicas, mais fácil será o seu desenvolvimento. Os miúdos educados assim são miúdos que têm uma evolução tranquila, mesmo uma adolescência tranquila.
Nada a fazer então aos que foram mal-educados, outra palavra que gostava de ver assumida de novo no nosso vocabulário?
Tudo a fazer, mas vai dar muito, muito, mais trabalho. Quanto mais tarde, mais trabalho.
Gostei imenso de ler que para uma família feliz, o casal tem que vir primeiro que os filhos. Gostei de ler, mas na prática, sobretudo os pais que trabalham sentem que todos os seus tempos livres têm que ser para os seus filhos… Para os compensar da falta que, teoricamente, lhes fazem.
A vida física e psíquica das crianças faz-se na cama dos pais. Se eles estão bem um com o outro, se estão unidos e se valorizam o casal como a força fundadora da sua família, os filhos vão estar melhor ainda.
No seu livro é muito claro quando diz que os pais têm o direito de querer que o seu filho seja uma pessoa de bem, porque afinal vai ser conhecido como «o filho de...». É revolucionário dizer isto, quando achamos que só temos a obrigação de dar, e não é legítimo pedir nada em troca…
Estabelece-se entre pais e filhos uma dívida – o pai deve merecer o orgulho do filho, porque é «pai de..», mas também tem direito a que o filho se comporte de forma a ser motivo de orgulho, porque afinal vai ser conhecido como «filho de...».
Mas cita Freud, quando este dizia a uma doente sua qualquer coisa como faça como quiser, porque eduque como educar vai educar sempre mal...
O que Freud queria dizer é que não vale a pena andar à procura de pais perfeitos. Não existem. Alias como também não existem filhos perfeitos, e nem vale a pena esperar que o sejam. Os pais têm uma história própria que os impedem de ser perfeitos, o filho também é portador dessa história, e portanto.... O ódio e o amor, mesmo nas relações profundas e incondicionais como as de pais e filhos, estão sempre presentes.
Tem-se discutido muito se os tribunais devem, ou não devem, ouvir as crianças num caso de divórcio, por exemplo. O que pensa disto?
Acho que devem ser ouvidos por especialistas, e com a maior das cautelas, porque as crianças são facilmente manipuláveis, tanto pelo pai como pela mãe. Mas escutar uma criança não significa fazer o que ela quer ou pede. É preciso que se faça o que é melhor para ela, que pode ser uma coisa completamente diferente. Sem nunca a alienar de um dos pais, seja pai ou mãe.
Acredita que a actual crise económica, porque provoca inevitavelmente frustração, vai ajudar a educar uma geração que, defende, tem demasiados elementos mal-educados?
O que não tenho dúvida nenhuma é que a crise económica foi provocada por indivíduos mal educados! Pessoas que continuaram em adultos a comportarem-se como uma criança que acredita estar sozinha no mundo e ser o centro do universo. Um bebé adulto que mete tudo ao seu bolso, sem pensar nas consequências para os outros…
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